Uma Narrativa Alegórica do Processo Psicoterapêutico com as Obras de Gustav Klimt

“O tempo da vida humana não passa de um ponto, e a substância é um fluxo, e suas percepções embotadas, e a composição do corpo corruptível, e a alma um redemoinho, a sorte inescrutável, e a fama algo sem sentido… O que, então, pode guiar o homem? Somente uma coisa, a filosofia.”.

(Marco Aurélio, Imperador Romano, 26/04/121 -17/03/180 )

 

“O transe poético é o experimento de uma realidade anterior a você. Ela te observa e te ama. Isto é sagrado. É de Deus. É seu próprio olhar pondo nas coisas uma claridade inefável. Tentar dizê-la é o labor do poeta.”

(Amélia Prado, poetisa, professora, filósofa e contista brasileira ligada ao Modernismo)

Uma vibrante floresta retratada (FIR FOREST I, 1901)

…extensa, simétrica, de tonalidade avermelhada e de mesclas proporcionais de outros tons, sem caminhos esboçados. Uma floresta confusa em aquarelas, sem lugares. Múltiplas histórias possíveis, nem melhores, nem piores, mas que aguardam seu redator. Seria uma floresta labiríntica e confusa? Ou o inicio de um percurso? Delimitado mesmo, apenas estão o ponto de partida e o solo. Desconhece-se a altura de elegantes árvores. Um emaranhado de conexões, de densidades, de probabilidades vindouras, de redes de relação, assentadas no longo tempo e estória que jazem em quaisquer florestas, e, de quaisquer pessoas.

É preciso se familiarizar, conhecer seus meandros, paixões, desejos e funções, seus abismos, solo e suas alturas, descrever precisamente as contingências de seu ambiente (externo e interno) numa questão de tacto, e relacioná-la com sua história ontológica se social. O tacto preciso auxilia na apreensão do ambiente (inclusive o privado), mas indispensável é aliá-lo com a compreensão da história de vida, de outras florestas sociais e das de vínculos entrelaçados. Qual probabilidade pode ser exitosa? Qual direção (se é que haja alguma?). Sonhar, refletir e pensar, abrir clareiras, perder a simetria, delinear probabilidades, e ainda que se desconcerte, erre, recomeçar é preciso (mais do que navegar ou viver, recomeçar é preciso! Indispensável crescer! Surgem algumas chances, mas quais? Ser adulto é escolher sem que nada nos indique o que escolher, sabendo que no ato de uma escolha, escolhemos não escolher qualquer outra restante, e que, no transpassar das sucessivas escolhas, estaremos ao mesmo tempo só e com o(s) outro(s). Equivoca-se quem se convence que há escolhas boas e más – possível unicamente é a construção e adaptação ao que escolhido está. Para um dizer seja sim, sim… não, não.. sim(?)… não(?). Às vezes importa deixar o talvez, prosseguindo em recomeços!

Faz-se necessário tatear, intuir comunhar, permutar e expandir, junto, intimo e próximo com um alguém, que seja generosamente disponível, atento, cuidadoso, tal como um amigo, familiar, tutor, ou um pl como em metáforas de  Portrait Of Friederike Maria Beer (1916)

TWO GIRLS WITH OLEANDER (1982)

e em IDYLL (1884)

Válido também é um looper de um lema “Errar, repetir para reelaborar… errar, repetir para reelaborar… até reeditar”. Mas assistido e compartilhado, para sua reedição. E, realmente só há um encontro terapêutico quando após ambos, pacientes e psicoterapeutas são afetadas, numa espiral de modificações e crescimentos, mútuos, ainda que transpassadas por crises. Ocorre sutilmente como nos filmes “Perfume de Mulher”, o “Discurso do Rei”, “Intocáveis”, “Grande Hotel Budapeste”, em que após genuíno encontro, ambos impactados, se tornam diferentes. E, embora não se proponham discutir psicoterapia são grandes “Tratados Simbólicos” sobre esta arte, em que com as cores de sonhos (sonhados?), desejos (possíveis?), limites (transpassados?), pensamentos (impensáveis?), transformações, utiliza-se dos pinceis das falas, da intuição, dos impactos emocionais, (des?) encontros, num balanceio de acolhimentos e/ou confrontos. Num contato com lacunas e meandros tortuosos nunca visitados, depara-se com as dores implacáveis, algumas nunca previamente descobertas. Tudo para buscar que o paciente seja o pintor de sua própria vida.

Nenhum psiquiatra, psicoterapeuta, ou medicamentos encerram garantias. Não há um contrato ficcional de promessas felizes, voláteis e inférteis. Enganam-se as partes que se aprisionam neste conluio fantasioso. Problemático são as seduções ornamentadas e supostamente acolhedoras, que prometem garantias contorcidas, e intenções matutas  JUDITH II –SALOME, 1909

Retira do paciente o seu essencial – o encontro de seus próprios recursos jacentes, que lhe conferem sopros de vida, independência, autonomia e expansão, com suas próprias alegorias de cura à semelhança de  SUNFLOWER (1906)

e de FARM GARDEN WITH SUNFLOWERS (1912)

… tornando-se o capitão de seu destino, cavaleiro de sua propria causa, GOLD CAVALIER

Em seu processo psicoterapêutico eremita e solitário, mas assistido com um vínculo emprestado e seu psicoterapeuta interiorizado (também, como seu ambiente!), contempla mosaicos de caminhos, de turvos a dourados. Esperas, empilhadas, sempre realizadas? Como em  EXPECTATION (1905-09), surgem alguns contornos mais tênues, ondulados ou mesmo desfocados.

Em de  THE PARK(1909-10)

… horizontalmente assimétrico, com um mosaico superior de manchas verdes, azuis e amarelas, carente de profundidade e idêntico em todas as partes, inferiormente, seus troncos, em maior profundidade se dispõem em três planos descontínuos com a “cerca viva”, e os troncos do fundo sobre o tom claro. Na aquarela da vida humana, a assimetria imprime à alma direções. Propulsiona. Independentemente de determinismos biológicos, psíquicos e comportamentais, uma escolha ainda sempre é possível. Os sentidos (da noética) contemplam necessariamente escolhas!

No decorrer do processo, outras paisagens adquirem vida como em  FIELD OF POPPIES (1907)

APPLE TREE (1912)

Há movimentos pendulares em cenários que amadurecem. As pessoas costuram-se com outras, a lugares e a outras coisas, em amalgamas de afeições vivas e douradas como em FARM GARDEN WITH CRUCIFIX (1912)

THE EMBRACE (1901)

WATER CASTLE (1908)

SCHLOSS KAMMER AT ATTERSEE (1909)

MALCESINE ON LAKE GARDA (1912)

THE KISS (1907-08)

Nestes caminhos tortuosos, a transitoriedade, a impermanência e a inconstância balançam como em THE THREE AGES OF WOMAN (1905)

do nascimento como em BABY(1917)

às mortes simbólicas ou não, como em DEATH AND LIFE (1916)

Equações de variáveis complexas e igualmente mosaicas aguardam por compreensão, cálculos de funções ainda desconhecidas e intuitivas. Os bailarinos paradoxos da vida nos convidam a ser, e, sem aviso deixar de existir, a estar com o outro, e este outrem poder partir, num contemporâneo provérbio de caminhar com tudo e sem nada, com todos e sozinho – eis o Ser e o Nada – existencial – como em Sartre e Heidegger.

A trajetórias individuais vão se delineando, costumeiramente limitadas ao possível e ao real, ora obliquas, como em ALLEE IM PARK VON SCHLOSS KAMMER (1912)

ora mais límpidas, reflexivas (fletir-se sobre si, olhar em seu reflexo) como em THE SWAMP (1900)

ora adaptativas e claras numa religação (consigo, outrem, algo, maior? Religere? Religare?) como em  SECLUDED POND

ora barulhentas, tempestuosas, ameaçadoras, (auto?)coercitivas, de cisão (cisalhamento) como em THE LARGE POPLAR II, GATHERING STORM (1902-03)

ora brandas e suaves, resilientes como na FRUIT GRADEN WITH ROSES (1911-12)

Urge-se por tolerar, a poética paradoxal da vida. E, assistidos, partilhados (ou não), com (ou não) a esperança como em Hope II (1907), buscam sua(s) memória(s) e verdade(s) última(s) (doídas? distorcidas?)

Pelo que está atrás do familiar. Aguarda ou recomeça (às vezes indefinidamente). E, reiniciam ciclos e cirandas, transfiguram-se em árvores, numa linguagem de pensamentos e afetos exitosos, com suas sombras, abrigos, raízes (profundas?), ramificações e troncos (sólidos?), como na FRUIT TREES (1901)

 em THE TREE OF LIFE, STOCLET FRIEZE (1909)

das quais brotem flores e frutos, gerando outras florestas e outras vidas, tal como em MOTHER AND CHILD – DETAIL FROM THE THREE AGES OF WOMAN (1905)

A síntese e apreensão poética auxiliam neste desvendamento, como no poema que descortina estas caminhadas, “Na ilha por vezes habitada” de José de Sousa Saramago, 1922 – 2010, escritor português galardoado com o Nobel da Literatura em 1988.

“Na ilha por vezes habitada do que somos, há noites,
manhãs e madrugadas em que não precisamos de
morrer.
Então sabemos tudo do que foi e será.
O mundo aparece explicado definitivamente e entra
em nós uma grande serenidade, e dizem-se as
palavras que a significam.
Levantamos um punhado de terra e apertamo-la nas
mãos.
Com doçura.
Aí se contém toda a verdade suportável: o contorno, a
vontade e os limites.
Podemos então dizer que somos livres, com a paz e o
sorriso de quem se reconhece e viajou à roda do
mundo infatigável, porque mordeu a alma até aos
ossos dela.
Libertemos devagar a terra onde acontecem milagres
como a água, a pedra e a raiz.
Cada um de nós é por enquanto a vida.
Isso nos baste.”


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Referências:

  1. Com. [Cited 2015, Jan 15] Available from: http://www.art.com/
  2. Oil panting reproductions. [Cited 2015, Jan 15] Available from: http://www.art.com/
  3. Flieldl, Gottfried. Gustav Klimt (1862-1918): O Mundo de Aparência Feminina. Editora TASCHEN DO BRASIL, 2006.
  4. Folha de São Paulo. Gustav Kimt. Coleção Folha Grandes Mestres da Pintura, Vol. 20. Trad.: Martin Ernesto Russo,1º edição, Barueri, SP, Editorial Sol 90, 2007. Titulo Original: Grandes Maestros de La Pintura, Editorial Sol, S.L. Bracelona (Espanha), 2007
  5. Graphische Sammiung Albertina – Austria, Viena. [Cited 2015, Jan 15] Available from:   albertina.at
  6. KLIMt Museum. [Cited 2015 Jan 18]. Available from: http://www.klimt.com/
  7. Kunsthistorisches Museum Wien Austria, Viena. [Cited 2015 Jan 5]. Available from : khm.at
  8. Leopold Museum – Austria, Viena. [Cited 2015 Jan 5]. Available from: leopoldmuseum.org.
  9. Österreichische Galerie – Austria, Viena. [Cited 2015 Jan 5]. Available from:   belvedere.at
  10. Schorske, Carl E.: Wien: Geist und Gesellschaft [Spirit and Society in End of Century] S. Fischer. Frankfurt, 1992.
  11. The Gustav Klimt. The Complete Works. [Cited 2015 Jan 5]. Available from: http://www.klimtgallery.org/
  12. The Museum of Modern Art, Nova York, EUA [Cited 2015 Jan 5]. Available from: moma.org
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